O FETO REVOLTADO

Viviane Carvalho Lopes[1]

– Mãe! Não vá embora, eu preciso de você... -grita Ana
– Cala a boca rapariga. –disse o pai José chegando ao enterro. A família que era muito pobre morava na periferia de São Paulo, Ana era a única filha do casal que estava viva, sobreviveu, pois foi forte, forte a todos os problemas da família, sua mãe morreu vitima de bala perdida, triste final para uma nordestina que sonhava com a cidade grande. O enterro foi simples e possível só pela ajuda dos amigos que fizeram uma vaquinha e compraram o caixão
A vida da garota iria mudar e ela já sabia, pois seu pai era um bruto, ela chegou em casa angustiada, pensando que não ia saber viver sem a mãe em meio a tantas dificuldades e nessa hora o pai chegou.
– Filhinha... Olha o que o papai trouxe para você.
– O que é?
– Uma roupa, e é para você trabalhar, agora você é puta.
O pai trouxera um vestido preto e uma lingerie, iria obrigar a filha a se vender, vender o corpo em troca do sustento da casa, realmente Aninha se tornou uma prostituta. Passaram-se 10 anos a prostituição havia acabado com a vida daquela garotinha que agora tinha 23 anos, ela não aparentava ser uma jovem e sim uma senhora, era bonita, mas muito triste, se envolvia em relacionamentos pouco duradouros, pois os homens só queriam sexo grátis, e ela só queria um pouco de amor mútuo, um pouco de vida a 2 ou até mesmo sua própria família, anseava por amigos, não os tinha. Tão jovem ela já tinha engravidado e abortado 7 vezes em operações difíceis feitas todas pela parteira Marta que também lidava com a técnica do aborto.
Ela tinha engravidado de novo e desta vez iria ter a criança, não viver sozinha, queria experimentar a vida de mãe, iria falar ao seu namorado, que ela estava grávida e que os três poderiam formar uma família feliz, chegando à casa do Valter o seu namorado ela disse: - Querido tenho uma coisa muito séria para te dizer... Estou grávida.
– Mulher! Como você diz isso, tenho certeza que esse filho não é meu.
Ouvindo essas palavras Aninha lembrou do seu pai que abusava dela verbal e sexualmente, se sentiu triste e só, acabou desmaiando. Quando acordou estava deitada em uma calçada, concerteza Valter tinha renunciado ela e seu filho.Ana se olhou no espelho e se viu com a barriga grande já estava com 8 meses de gravidez, não viu outra escolha se não abortar, chamou a Marta para vir a sua casa para os procedimentos e ela chegou e deu um sedativo a Ana e ela dormiu profundamente. Acordou apavorada, não sabia onde estava, estava em sua casa na COABE.
Depois de alguns dias Ana perguntou a Marta onde tinha colocado o feto e a mulher lhe disse: - O feto sobreviveu! E aí dei a um orfanato da cidade, fique tranqüila. No orfanato chamaram a criança de Willa, era uma menininha linda, mas tinha seqüelas do aborto mal feito, tinha problemas respiratórios e uma perna maior do que a outra. Com 7 anos Willa começou a estudar e era uma aluna brilhante, mas era muito introvertida e fechada, só mantinha relacionamento com a cozinheira Luzia que a tratava como se fosse à mãe.
Em uma daquela visitas de casais em busca de um filho a menina percebeu que ela era a única criança que nunca tinha recebido uma visita e pensou alto -Por que eu serei adotada? Tenho problemas na respiração, sou negra e tenho uma perna maior do que a outra. Nunca serei adotada. Aos 10 anos ela já estava mais extrovertida e a sua mãe de consideração Luzia, estava cada vez mais doente e a menina perguntou:
– O que você tem mãe? Está abatida – falou Willa
–Nada minha linda. E os seus estudos ?
– Não gosto quando você me responde com outro pergunta...
– Minha filha, estou doente e é grave, você tem que se acostumar que eu vou morrer.
A menina gritou e disse
– Mãe! Não morra, por favor, eu só tenho a você.
Quando Willa tinha 13 anos Luzia morreu e ninguém a deixou ir ao enterro... Ninguém adotou a pobre menina e o orfanato estava sem verbas há meses a garota decidiu não iria ficar mais no orfanato e decidiu fugir. Willa começou a arrumar a sua bolsa, colocou roupas e um pouco de comida, está noite iria se encontrar com a realidade, sua face não era triste, mas revoltada, estava angustiado por ser como era. A menina fugiu e pegou um ônibus que parou na praça da sé, olhou no relógio velho e viu que era 06h00min horas da tarde e já estava escurecendo.
Com seu jeito engraçado de andar seguiu adiante, e perguntou a um moço onde tinha uma lanchonete ele respondeu – Olha ali na esquina, e lá se foi à menina jantar, entrou na lanchonete pediu pão com café com leite, ficou procurando na bolsa as economias que Luzia tinha dado a ela, quando finalmente as achou, apareceram 7 meninos em volta dela e puxou o dinheiro, eles saíram correndo e ela saiu atrás deles com suas pernas defeituosas, quando um dos meninos do bando olhou para trás viu que a menina nunca iria chegar até eles, os meninos pararam e começaram a zombar da menina – (risos) Ela é cotó! – Disse Paulo um dos meninos de rua.
– Viu sua perna de pau-Disse Luís o outro menino
– Muito previsível é quando alguém zomba de mim, mas eu quero o meu dinheiro de volta.
– O que te faz pensar que vamô devolvê? –Disse Paulo
–Eu só quero o meu dinheiro, eu só tenho isso, sou igual a vocês.
– Você não é nada sua nega maluca.
– Sou sim – Disse Willa
– Por acaso e homem, macho? (todos riram)
– Sua mulherzinha, você pode ser preta, mas não é um de nóis.
– Eu sou órfão, sou igual a vocês, menina de rua.
– Menina de rua? Isso aqui não é para você vai cuidar das tuas bonecas o teu fogão.
– Você quer que eu te prove que mulher merece respeito assim como o homem?
– Ah! Essa eu quero ver.
– Quero entrar para o grupo de vocês.
– Vire um homem então. –Disse Luís
Eles jogaram todo o dinheiro de Willa no chão e foram embora. A menina saiu chorando de onde estava e catou o dinheiro do chão e saiu andando pela noite de SP. Sentou em um banco de praça e refletiu triste, queria morrer e queria matar. Começou a ter um plano e decidiu se tornar um homem, entrou em um cabeleireiro e pediu que fizesse um corte bem masculino, e observando, viu seus cachos caírem no chão, não dava tristeza dava prazer, se tornar homem era belo diante de tudo que a desigualdade fazia com uma mulher. Saiu do salão renovada, ou melhor, renovado, a partir de hoje se tornaria homem e se chamaria William, e nesta mesma noite um homem lhe ofereceu um emprego queria que ajudasse 7 meninos a roubar uma loja de roupas, aceitou, eram os mesmo garotos que haviam zombado dela há 03h00min horas atrás, mas a tratava muito diferente já que agora era um homem eles a chamava de chapa e de amigão e nesta mesma noite ela percebeu, reconheceu que na vida nem parecemos gente e sim pedaços de representações.


[1] Sou Viviane, estudo no CEFET faço edificações e anseio por igualdade.

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